As crises hídricas e energéticas produzidas pelos impactos das mudanças climáticas no Brasil e no mundo são a maior fonte de risco econômico na atualidade. 2021 é um ano especialmente importante para o reforço na atualização no cumprimento das metas climáticas para prevenção de um cataclisma global.
Por sua vez, as devem utilizar os princípios de gerenciamento de crise de forma a estarem preparadas e conseguirem lidar com os impactos das crises hídrica e energética provocadas pelas mudanças climáticas e a intensificação dos eventos extremos.
Este é o tema do evento realizado pela CoSafe LATAM, que aconteceu no dia 06/10. Sobre este assunto, Ana Flavia de Bello – CEO da CoSafe LATAM, conversou com Stela Herschmann, Especialista em Políticas Climáticas do Observatório do Clima e Prof. Eduardo Prestes, Diretor Executivo na Crisis Solutions Brasil.
A realidade das mudanças climáticas
“As mudanças climáticas causadas pelo homem são reais e estão se intensificando numa velocidade espantosa, sem precedentes nos últimos 2 mil anos e com consequências potencialmente gravíssimas para os seres humanos e o planeta, incluindo o aumento de de ocorrências de tempestades, secas e ondas de calor extremo. Muitas dessas consequências — como o derretimento de geleiras e o aumento do nível do mar — são irreversíveis, até mesmo numa escala de milhares de anos. Mas ainda há tempo de evitar uma calamidade climática global, desde que a espécie humana reduza imediatamente, e de forma bastante significativa, suas emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera. Sem isso, é ‘extremamente provável’ (com 95% a 100% de probabilidade) que o aquecimento global ultrapasse a perigosa marca de 2 graus Celsius até o final deste século, com grandes chances de chegar a 1,5°C já nos próximos 20 anos, caso as emissões de carbono permanecerem no nível atual.” Essas são algumas das mensagens trazidas pelo Sexto Relatório de Análise do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), cuja primeira parte foi divulgada em Genebra.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, defendeu em agosto de 2015 a “obrigação moral” de seu governo na luta contra as mudanças climáticas. Em uma cerimônia na Casa Branca, apresentou os detalhes do seu plano para limitar as emissões poluentes das usinas energéticas do país e estimular o investimento em energia renovável. “Não há um desafio que represente uma ameaça maior para nosso futuro do que as mudanças climáticas. Somos a primeira geração que sente as consequências das mudanças climáticas e a última que tem a oportunidade de fazer algo para deter isso. Esse é um desses problemas aos quais, por sua magnitude, se não agirmos bem, não poderemos reagir nem nos adaptar”, declarou Obama.
Os chamados problemas perversos ou complexos (tradução de wicked problems) representam um grande desafio para os estudiosos, os gestores e os decisores. Consiste em um problema social ou cultural difícil ou impossível de resolver por várias razões, como conhecimento incompleto ou contraditório, o número de pessoas e opiniões envolvidas, o grande fardo econômico e a natureza interconectada desses problemas com outros problemas (abordagem de Horst Rittel, um dos primeiros a formalizar uma teoria de problemas perversos). Dentro desse contexto as mudanças climáticas agregam à essas razões um valor temporal, por necessárias ações drásticas para evitar consequências trágicas no futuro.
O Brasil na Crise Climática
O Brasil vive a pior crise hídrica registrada nos últimos 91 anos, com escassez de chuvas, reservatórios em níveis baixos e maior demanda por energia em razão da reativação da economia para patamares pré-pandemia em vários setores. A crise hídrica para os brasileiros é um eufemismo para falta de água. Em outros países crise hídrica pode ser entendida como excesso de água com consequências também fatais. Do total de água disponível no planeta, 97% estão nos mares e oceanos (água salgada) e apenas 3% são água doce, pouco mais de 2% estão nas geleiras (em estado sólido) e, portanto, menos de 1% está disponível para consumo.
“A água é um problema cultural no Brasil. O brasileiro acredita que água é um bem inesgotável e nosso consumo médio é o dobro do consumo mundial. Quase 70% da energia produzida no Brasil é por meio de barragens, colocando o país como um dos mais altos potenciais hidráulicos do planeta. A crise hídrica é irmã siamesa da crise energética”, pontua Eduardo Prestes.
O Fórum Econômico Mundial, na reunião em Davos de 2020, classificou a mudança climática como o maior risco para a década, à frente de crises financeiras. Antes, os estudos do fórum costumavam destacar as crises econômicas e financeiras como maiores fatores de risco para as políticas globais. Por isso, 2021 é um ano decisivo para o cumprimento do Acordo de Paris e a prevenção de um verdadeiro cataclismo, como prevê o Fórum Econômico Mundial.
“Em 1992, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima foi assinada e ratificada por mais de 175 países com o objetivo de estabilizar a emissão de gases de efeito estufa, assim prevenindo uma interferência humana perigosa para o equilíbrio climático. Em seu texto, a Convenção reconheceu as mudanças climáticas globais como uma questão que requer o esforço de todos os países a fim de tratá-la de forma efetiva. Desde então foram promovidas convenções de detalhamento, até o Acordo de Paris, que é considerado como o principal compromisso assumido para frear o aquecimento global no mundo, onde todos os países apresentaram metas a cumprir. O objetivo do acordo firmado é de reduzir o aquecimento da Terra para limitar o aumento da temperatura média global no máximo em 2°C e, preferencialmente, em 1,5°C, comparado ao registro de níveis pré-industriais. Segundo os cientistas, níveis de temperatura maiores que 2°C podem ser mais fatais e ameaçadores para a existência da vida humana”, salienta Stela.
Até o fim de 2020, 75 signatários (que representam 30% das emissões do planeta) submeteram à ONU suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), documentos em que os governos especificam quais metas e medidas serão implementadas a curto, médio e longo prazo para diminuir as emissões. Na avaliação do órgão, a percepção geral é de que as iniciativas apresentadas pelos países são insuficientes para frear o aumento da temperatura do planeta. A orientação dada aos países que deixaram seus planos a desejar é que, até a realização da COP26, as metas nacionais sejam refeitas de modo a contribuir efetivamente para o controle da emergência climática.
“Em artigo publicado em 5/10/2021, o portal especializado em clima Carbon Brief confirma que o Brasil é o quarto país que mais contribuiu para as emissões históricas de CO2. Segundo o estudo, o Brasil é responsável por cerca de 5% das emissões no período 1850-2021, principalmente por causa do desmatamento descontrolado. A análise incluiu as emissões da destruição de florestas e de outras mudanças no uso da terra. No compromisso do Acordo de Paris que entrou em vigor oficialmente no dia 4 de novembro de 2016, o Brasil estabeleceu suas intenções de reduzir as emissões dos gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, comparado aos níveis registrados em 2005 pelo Segundo Inventário Nacional, que é produzido pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Além das metas de emissão, o Brasil se comprometeu com, entre outros itens, zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. A meta proposta pelo Brasil não muda o compromisso percentual de corte de emissões. Só que a linha de base aumentou. O Brasil atualizou suas metodologias e pode chegar em 2030 emitindo cerca de 400 milhões de toneladas de CO2 equivalente a mais do que o indicado em 2015. acordo de Paris veda retrocessos e essa ‘pedalada climática’ tem que ser revista o quanto antes”, reitera Stela.
O impacto da Crise Climática nas empresas
A crise hídrica afeta várias camadas da civilização. A participação das empresas na solução das mudanças climáticas é fundamental, afinal, não existe atividade industrial sem geração de gases do efeito estufa. Esses gases podem ser minimizados se houver a substituição das energias fósseis por energias renováveis, e iniciativas de sustentabilidade como mudanças nos processos químicos, como exemplo o carvão por gás natural, promovendo uma diminuição do efeito estufa.
“O gerenciamento de problemas deve ser aplicado nas crises corporativas. Sua principal função é mapear todos os problemas já enfrentados pela organização, a comunicação utilizada, os públicos envolvidos e tudo que há em torno deles, fornecendo à empresa todas as tarefas que devem ser executadas para solucionar aqueles problemas inesperados. Issue Management é o processo de identificação e resolução de situações. Identificar um tema que criará impactos na comunidade ou geração de uma legislação restritiva, a análise de risco (analisar a falta de água nas unidades industriais afetando produtos e processos), na ocorrência de um evento a resposta à emergência (falta de água na fábrica, o que fazer), o gerenciamento da crise, a comunicação de risco e a continuidade do negócio. O plano que a empresa deve adotar para enfrentar bem no curto, médio e longo prazo numa crise hídrica”, chama a atenção Eduardo.
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Governos, empresas e investidores precisam intensificar suas ações na proporção e na escala da crise que enfrentamos. Antes das negociações climáticas da COP26 em Glasgow, é crucial que os países proponham metas de redução de emissões mais fortes para 2030 e se comprometam a atingir a neutralidade de carbono até a metade do século. Se coletivamente falharmos em reduzir as emissões na década de 2020 e zerarmos as emissões líquidas de CO2 por volta de 2050, limitar o aquecimento a 1,5°C está fora de alcance.
Stela recomenda a leitura do relatório do IPCC que desenha 5 possíveis cenários para o futuro com resultados alarmantes das mudanças climáticas. “Em um cenário pessimista de altas emissões, o mundo pode aquecer até 4,4°C até 2100, com resultados catastróficos”.
No Brasil, poderão ocorrer uma série de inundações, em virtude da intensificação das tempestades, e períodos longos de estiagem, como quebra de safras, seca e queimadas. A pecuária e a agricultura poderão ser prejudicadas, assim como a sobrevivência de diversas espécies. Isso não apenas afeta os esforços climáticos mundiais, mas representa riscos significativos para a segurança alimentar e hídrica e pode levar à perda irreversível da biodiversidade.
As alternativas para enfrentamento dessa crise
A maneira de enfrentar a crise energética está em utilizar a energia de forma eficiente, por meio da conscientização da sociedade, e direcionar investimentos na formatação de uma matriz energética diversificada, limpa e estável, como a energia hídrica, geotérmica, energia solar, eólica e de biomassa, para que possam garantir o atendimento ao consumo crescente da população.
Na última crise hídrica, muitas empresas de água e esgoto, lideradas por suas áreas de continuidade de negócios se mobilizaram em um benchmark em busca de soluções. “A união das empresas em torno das suas associações de classe tem como lutar com maior eficiência para objetivos setoriais. As empresas percebem a necessidade de atuar em conjunto. Também é necessário um amplo debate a respeito de novas fontes de energia para o país e envolvimento das políticas públicas”, reforça Eduardo.