Por Mario Rosa (*)
Mais de duas décadas dedicadas a aconselhar empresas e líderes na prevenção e no enfrentamento de crises corporativas, quatro livros sobre o tema, alguns deles narrando cases em profundidade, situações vividas muito de perto. Assim, a familiaridade permite explorar um ponto pragmático, que faz com que a prevenção de crises muitas vezes acabe sendo, não diria “negligenciada”, mas “sopesada”, forma de equilibrar na balança entre todas as outras exigências e necessidades do dia-a-dia, diante da pressão por resultados no ambiente corporativo.
Como as empresas e líderes estabelecem suas prioridades na questão da gestão de riscos de reputação? Por que fazem isso? Que riscos assumem? Há algo que precisa ser aprimorado nesse modo de avaliação? Por que?
Todos reconhecem, em tese, que a reputação, o valor da marca e a prevenção de crises têm de estar no topo da tomada de decisão de qualquer gestor. O problema é que isso custa. O entrave adicional é que não é possível blindar todos os problemas possíveis, com todas as medidas preventivas possíveis, o tempo todo, pois o orçamento é inelástico e a cobrança por lucratividade dos gestores, sufocante. Então, a questão acaba sendo, como vem sendo, a conciliação desses diversos fatores.
No mundo corporativo em geral, no brasileiro em particular, a imagem que ocorre é a de um malabarista que lança pratos para o alto: há sempre mais pratos flutuando no espaço. E apenas duas mãos. Qualquer desajuste, há quebradeira de cerâmica no chão. Ou seja, crises ou uma crise colossal. O fato é que o gerenciamento de crises no Brasil tem sido muito mais um exercício de mitigação, de postergar aqueles problemas já de conhecimento dos gestores – uma espécie de “roleta”, em que apenas se torce para que a bolinha não caia na casa errada – do que uma efetiva resolução antecipada dos problemas. É quase o oposto de uma “gestão” efetiva de riscos: é uma aposta numa possibilidade randômica.
Casos tristemente famosos hoje, como o da barragem de Brumadinho; da Companhia Vale ou o trágico incidente na loja do Carrefour, em Porto Alegre, não são “crises súbitas”. Apenas confirmam uma máxima do Instituto de Gerenciamento de Crises dos Estados Unidos, segundo o qual 70% das crises são crises “potenciais”. Ou seja, crises que são árvores que estão plantadas e que crescem a olhos vistos nos corredores das empresas. Então, qual é o desafio para o gerenciamento de crises, numa sociedade em que a eclosão de eventos críticos pode trazer prejuízos bombásticos e, eventualmente, irrecuperáveis?
Até agora, na prática, a estratégia tem sido a dos “pratos”. A “pantomima” de ter uma cultura de prevenção de crises de comunicação. Só que não. Só até um certo ponto. O ponto que não implique em algo que impacte demais os custos. Isso não está errado. Essa estratégia pressupõe que é mais “barato” conviver com riscos e trabalhar na contenção de danos, de forma “reativa”, se algo acontecer. Vemos, todavia, que cada vez mais os prejuízos financeiros de não gerir riscos adequadamente vem causando danos econômicos exponenciais. A solução? É preciso diminuir a quantidade de pratos no ar. O malabarista, o gestor, precisa entender que o custo das crises aumentou, numa sociedade globalizada, em tempo real.
Cada empresa tem seus “pratos”, seus riscos. É impossível definir genericamente quais ou quantos “pratos” (riscos) devem ser minimizados (retirados do ar), para que outros continuem flutuando. Mas o que está claro é que o modo tradicional de avaliação de riscos precisa ser, permanentemente, revisto e as premissas do que é “economicidade” e “racionalidade”, do ponto de vista orçamentário, não podem ser mais as mesmas. Exemplos? Uma pequena fissura numa barragem, fruto de anos de “pratos” lançados para o alto na economia da segurança do acúmulo de resíduos, um dia se torna uma avalanche de perda de valor, prejuízos, paralisação das atividades, multas, custos legais, desgaste de reputação sem precedentes. Valeu a pena manter esse prato voando?
No caso das redes de varejo, há a pressão constante por economia e contenção de custos, o que leva à cadeia de terceirizações, quarteirizações. Até que um dia… uma tragédia acontece e o que era “econômico e racional” se comprova perigosamente previsível e potencialmente inevitável. Existe receita mágica? Nunca houve. Mas o que os dramas corporativos recentes nos revelam é que há uma necessidade maior de avaliação mais criteriosa de riscos, em primeiríssimo lugar. Dada a escassez de proteger a todos, de forma ideal ao mesmo tempo (os pratos voando), parece claro que a exposição a riscos, antes toleráveis por uma gestão responsável, agora precisa ser reavaliada. O que implica investimentos em prevenção, que vão para muito além das “relações públicas”.
Por que? Porque os custos da queda de um prato tem se mostrado cada vez maiores e devastadores. Cada setor, cada empresa, sabe os pratos que tem. E o que eu sugiro é: reavalie interna e eventualmente (melhor) com o apoio de profissionais externos, quais os pontos de fragilidade de sua cadeia que podem exterminar o seu negócio. Os planos de gerenciamento de crise não podem ser mais apenas planos de contingência. Tem de ser caça minas, capazes de antecipar, descobrir, desativar e remover bombas. Isso antes, muito antes, para que não haja detonações.
Na prática? Continua sendo impossível prevenir todas as crises e cercá-las de todos os recursos necessários. Mas…é preciso restabelecer um novo mapa de prioridades, sobre aquilo que não pode acontecer de jeito nenhum. E, nisso, investir mais que hoje. Falo investir. E não gastar. Prevenção, assim como escadas de emergência, não são despesas. Podemos não usá-las nunca. E é melhor que incêndios nunca aconteçam. Mas, se um dia acontecerem, a economia de não as ter construído parecerá algo insano perto do dano causado.
(*) Mário Rosa é consultor de comunicação, especializado em gestão de crises e autor se quatro livros sobre o tema.